Um dia eu tive a impressão de que o amor tinha chegado. Meio súbito,
meio sem jeito, meio calado. E aquele sentimento veio tomando conta feito nuvem
preta no céu em dia de temporal. Começou um vento forte dentro de mim, uma
sensação de inquietude. E minhas noites não foram mais iguais. Ficava esperando
um sinal, uma marca, uma tatuagem. Alguma coisa que me dissesse que, sim, seria
bom e duradouro. Eu queria gritar, pedir socorro, mas a voz não chegava até a
boca, não conseguia emitir nenhum som. Eu queria viver, sentir, saber, conhecer
mais de perto aquilo que não tinha um nome certo, mas que eu queria que fosse
amor. A gente quer que seja amor sempre. Acho que isso acontece porque a gente
quer viver uma coisa bonita, uma coisa que todo mundo nessa vida diz que vive
ou já viveu. Quer saber um segredo? As pessoas mentem. Nem todo mundo viveu um
amor. E não é todo mundo, desculpa a franqueza, que vai ter a chance, a sorte,
a ousadia de viver um sentimento tão puro como esse. Eu queria de uma forma
meio desesperada que fosse amor. E dizia que era. Até sentia que era. Sentia
porque eu queria, muito, sentir. Mas, olha, não era. Não era, não foi. A gente
não foi tudo aquilo, não. Aquilo era uma paixão forte, uma coisa que me tocou,
me mexeu, me revirou, chegou sem fazer barulho, pé por pé e depois fez um
estardalhaço grande aqui no meu peito, na minha vida, nos meus dias, nas minhas
noites. Aquilo quase me destruiu por dentro e por fora. Acho que você não
entende direito o que quero dizer, mas quem já viveu uma paixão violenta e
arrebatadora sabe do que estou falando. Dói, ai, como dói. E arrebenta por
dentro. Arrebenta feito balão de festa. Estoura, entende? Estoura e não sobra
nada, não sobra um pedacinho pra contar história. Aquilo é feito um vaso bonito
e caro, que se parte em vários pedaços e muito, muito tempo depois de ter
varrido a sala você encontra um caquinho naquele canto do sofá. Não, ninguém viu.
Você varreu o melhor que podia, mas deixou aquele caquinho passar. E aquele
caquinho traz de novo todas aquelas recordações que você pensou ter esquecido.
Aquele caquinho traz aquele pedacinho que não tinha sobrado nem pra contar
história. Então, as histórias aparecem. Uma de cada vez. Uma de cada vez, uma
em cada lugar da longa fila. Uma que vem depois da outra. Uma que chega, te dá
um pontapé e chama a outra. No fundo era medo. Era um medo tremendo de deixar
alguém chegar até onde ninguém tinha ido. Era um medo de ir até onde nunca fui.
Era um medo profundo de perder a identidade, perder a hora, a cabeça, as
verdades. Que besteira. Meu Deus, que besteira enorme! O amor chegou sorrindo.
Sem gritar, sem calar, sem ponto de interrogação. O amor trouxe reticências.
Algumas vírgulas. E muitos parágrafos. O amor trouxe novas folhas brancas. E
pele, aconchego, abraço. O amor é um abraço apertado. Um beijo na testa. E uma
mão firme que te ampara a todo instante. O amor é compreensão, é olho no olho,
é promessa que cumpre, é voz que não gagueja, é quietude, segurança. É
impossível esquecer um amor. E, sabe, sou daqueles que acha que amor mesmo,
amor de verdade a gente só vive uma vez.
— Clarissa Côrrea.